Quando alguém anuncia, no corredor da faculdade, que vai fazer uma revisão sistemática, boa parte dos colegas sorri com ar de admiração. Afinal, trata-se do panteão da evidência científica, onde a síntese rigorosa de estudos substitui opiniões avulsas. O entusiasmo, porém, costuma esbarrar na mesma pergunta: por onde começar? O guião que hoje domina o panorama internacional chama-se PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses), criado para garantir a transparência, reprodutibilidade e completude nos relatos. A versão de referência é a de 2020, acompanhada de um conjunto de extensões (PRISMA-S, PRISMA-ScR, PRISMA-NMA, entre outras) e do protocolo PRISMA-P, cuja atualização para 2025 já se encontra em curso.
A jornada começa antes da primeira pesquisa bibliográfica: é preciso decidir se a pergunta de investigação realmente exige uma revisão sistemática. Se o objetivo for apenas mapear o estado da arte, talvez baste uma revisão narrativa ou uma scoping review. Mas quando se pretende avaliar, com método e critério, a eficácia de uma intervenção, a prevalência de um fenómeno ou a qualidade dos diagnósticos disponíveis, então a abordagem sistemática, avaliada através de uma meta-análise sempre que os dados o permitam, torna-se o caminho certo. A escolha do formato influencia tudo o que se segue – desde o desenho do protocolo até à forma de apresentar os resultados.
O protocolo é o coração preventivo de toda a revisão, pois fixa, antecipadamente, os critérios de inclusão, as estratégias de pesquisa e os métodos de análise, blindando os autores contra a tentação de afunilar os resultados só porque “não deram certo”. O PRISMA-P (Protocol) estabelece 17 itens mínimos: identificação do registo (geralmente no PROSPERO), racional, objetivos, elegibilidade dos estudos, bases de dados a pesquisar, planos de extração, avaliação de viés, síntese e cronograma. Elaborado o documento, publicá-lo (ou pelo menos registá-lo) não é vaidade: é demonstração de ciência aberta e salvaguarda de prioridades intelectuais.
Segue-se a construção da pergunta, muitas vezes estruturada num modelo PICO (População, Intervenção, Comparador, Outcome). Quem estuda, por exemplo, a eficácia de programas de mindfulness em reduzir a ansiedade em estudantes universitários precisará de expressar cada componente de modo operativo: que idade define “estudante”, que práticas contam como mindfulness, que métricas medem a ansiedade. Quanto mais nítida a pergunta, mais robusto o filtro de pesquisa, e menos tempo perdido a descartar artigos irrelevantes.
Chegado o momento da pesquisa, entra em cena a extensão PRISMA-S, que detalha como relatar as estratégias de busca: as bases consultadas, o período coberto, os filtros aplicados, os termos MeSH ou descritores livres, além de buscas manuais em listas de referências e literatura cinzenta. Para o principiante, este passo parece uma pura burocracia, mas é nele que se decide a exaustividade. As bases tradicionais como a PubMed, o Scopus e a Web of Science precisam, quase sempre, de ser combinadas com repositórios específicos da área (ERIC em Educação, PsycINFO em Psicologia, CINAHL em Enfermagem). Copiar e colar estratégias de outros autores raramente resulta, porque cada pergunta exige combinações lógicas próprias e termos adaptados.
Concluída a colheita bruta, deparamo-nos com centenas ou milhares de registos. A triagem faz-se em dois níveis. No primeiro, lêem-se os títulos e os resumos, excluindo-se logo os que fogem aos critérios de elegibilidade. No segundo, avaliam-se os textos completos. Ferramentas como Rayyan, o Covidence ou, para quem prefere soluções gratuitas, o Google Sheets, agilizam a tarefa e permitem resolver as divergências entre revisores com um clique. Nunca é demais lembrar que, segundo o PRISMA, a triagem deve ser feita por, pelo menos, dois revisores independentes para minimizar os vieses de seleção.
Neste ponto, surge o diagrama de fluxo – talvez o ícone mais famoso do PRISMA –, onde se descreve quantos estudos foram encontrados, quantos duplicados foram removidos, quantos foram excluídos em cada fase e porquê. Publicar o diagrama ajuda o leitor a perceber, de relance, o rigor do funil metodológico.
Chegados à extração de dados, convém separar três blocos de informação: características dos estudos (ano, país, desenho), dados dos participantes (idade, género, diagnóstico) e métricas dos resultados (médias, desvios-padrão, risk ratios). Um formulário-piloto testado entre revisores deteta lacunas e garante a uniformidade.
Quanto à avaliação do risco de viés, os instrumentos variam com o tipo de estudo: RoB 2 para ensaios clínicos aleatorizados, ROBINS-I para estudos não randomizados, Newcastle–Ottawa ou AXIS para estudos observacionais, COSMIN para instrumentos de medida, e por aí fora. Registar, em tabela, a classificação de cada domínio de viés permite, mais tarde, explorar análises de sensibilidade.
Terminada a colheita, a síntese dos resultados pode seguir dois caminhos. Se os dados forem suficientemente homogéneos (mesma medida de efeito, populações comparáveis), constrói-se uma meta-análise – combinação estatística que gera uma estimativa global e intervalos de confiança. Se a heterogeneidade for elevada, opta-se por uma síntese narrativa estruturada, agrupando os estudos por categorias relevantes. Seja qual for o caso, o PRISMA exige que se apresente, claramente, a justificação da escolha. E, nos casos de uma meta-análise, recomenda-se discutir I², análise em subgrupos e, quando possível, meta-regressão.
Um detalhe que os principiantes ignoram: resultados não significativos também contam. Excluí-los vicia a conclusão. Ferramentas de deteção de viés de publicação, como gráficos funnel ou testes de Egger, são mais do que ornamentos estatísticos; protegem contra ilusões de eficácia. Contudo, interpretar estes testes requer cautela, sobretudo com menos de dez estudos – o poder é limitado e o risco de falso-alarme é elevado.
A secção de discussão do relatório tem, habitualmente, três pilares. Primeiro, confronta-se a evidência obtida com a literatura já existente. Segundo, exploram-se as implicações práticas para a clínica, política ou investigação. Terceiro, reconhecem-se as limitações: pontos fracos da amostra de estudos, da qualidade metodológica ou eventuais passos onde o protocolo precisou de ajustes. A transparência sobre os limites não fragiliza a revisão, credibiliza-a.
Tudo relatado, falta cumprir a checklist PRISMA 2020: 27 itens para um artigo completo, 13 para um resumo estruturado. Marcar cada caixa é um exercício de honestidade científica e, na prática, aumenta a probabilidade de aceitação em revistas exigentes. Há, inclusive, versões interativas que autogeram um PDF de conformidade, prontas para submeter como material suplementar.
Ao longo desta travessia, quatro erros surgem recorrentemente entre os principiantes, e vale a pena antecipá-los, mesmo que numa rápida enumeração:
1. Confundir uma revisão sistemática com uma revisão narrativa, aceitando critérios de inclusão flexíveis.
2. Não registar o protocolo, abrindo margem a críticas de cherry-picking.
3. Usar apenas o PubMed, ignorando a literatura cinzenta e bases específicas.
4. Resumir a discussão a “mais estudos são necessários”, sem contextualizar os achados.
Corrigir estes descuidos aumenta, de imediato, a robustez da síntese e, sobretudo, acelera a curva de aprendizagem.
Como tal, realizar uma revisão sistemática segundo o protocolo PRISMA é, no fundo, uma lição de humildade: obriga-nos a reconhecer que, sem um método, até a melhor intenção de resumir conhecimento degenera em opinião. Ao seguir os passos descritos, o estudante não apenas cumpre um requisito académico, entra na tradição da ciência cumulativa, onde cada peça de evidência tem um lugar verificável na prateleira do saber. Para principiantes, o processo pode parecer longo, mas não há atalhos seguros: a reputação de uma revisão sustenta-se nos detalhes que, à primeira vista, ninguém vê, mas que qualquer leitor atento descobre quando procura replicar o trabalho.
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